Um dos melhores usos da metalinguagem que tenha visto. Fai aparentemente fácil, da ótica da leitura, o que em realidade é bastante complicado de articular em termos criativos.
Simpático, acessível, imaginativo e aliás com mensagens para os leitores que já nom som crianças pequenas.
É curioso que descobrim a série num número de Spirou de 2019 mas só foi agora ao ler a compilaçom em forma de álbum que apreciei o trabalho na sua justa medida.
E o detalhe da página recortada já é o outro nível fora do comum.


Normalmente nom me resultam interessantes os trabalhos artísticos que, sendo produto de umha subvençom-estadia, dam demasiado peso à vivência particular da bolsa em si. Nesses casos o fim e o meio confundem-se, dando como fruto umha mistura entre o costumismo mais ou menos anódino e aquilo outro que o autor pretendia ter alcançado. Esta forma de autorretrato com pretexto é algo similar a essas histórias curtas de BD em que o criador se deleita na dificuldade de fazer a própria BD: nom tem ideias para o relato e entom fai o relato sobre nom ter ideias. Um recurso pobre. Polo contrário, as melhores obras derivadas de bolsas tratam sobre algo totalmente alheio ao autor e/ou às suas circunstâncias particulares nesse processo. Na casa dos autores de Angoulême tem havido muitos exemplos deste ótimo fim. Por muito que ficcionar, para mim n'A jovem e o mar Catherine Meurisse, ajudada por umha bolsa em Japom, conta-se entre os autores que escolhem a primeira opçom e falham totalmente.

Meio já contava com que, após namorar dessa maravilha intitulada Os grandes espaços -pola qual ainda fico grato-, havia um sério risco de me defraudar o seu seguinte título. Umha persoa culta como ela maneja-se com soltura no conhecimento do meio natural (nomeadamente, a flora) e das referências artísticas cruzadas entre Oriente e Ocidente mas, apesar da sua graça dialogando e desenhando, o álbum simplesmente fica demasiado no terreno dos lugares comuns: aqueles que ninguém podemos evitar na nossa primeira visita ao Japom (eu igualmente, e com isto nom me atrevo a comparar-me com umha autoraça como Meurisse). Nom obstante a alguém da sua escala de talento e experiência temos-lhe que exigir bastante mais que um percorrido sem rumo por clichés como o ukiyo-e, as paisagens, os haikus, os maremotos, os toris, Miyazaki, as lendas, os falos da fertilidade... Visto tudo, parece um poutpurri, um "grandes êxitos" dos estereótipos.

Em sumário: confirmada a decepçom total.


Desfrutei muitíssimo da leitura e lamentei que a história acabasse. Adorei o trabalho de cenários e de desenho de personagens, como transmite a expressividade coletiva (os grupos e as massas) e individual (a linguagem corporal e facial) e tamém os diálogos sem concesom.

Em paralelo Isaac o pirata, a (para sempre inacabada?) saga criada por Christophe Blain, estivo todo o tempo na minha cabeça enquanto lia este álbum. Do seu autor, Frantz Duchazeau, penso que só lera, muitos anos atrás, Os cinco narradores de Bagdag, que tinha completamente esquecido, e Meteor Slim, de que gostei. Entom nom sei se é que ambos autores, Blain e Duchazeau, bebem das mesmas referências e agora a ambientaçom setecentista de El pintor forajido me levou de volta para Isaac mas o caso é que esta história tem algo de reverso escuro daquela outra odisseia dum pintor sob a bandeira da caveira. Neste caso o protagonista é outro artista das telas, desenganado da revoluçom que terminou co Ancien Régime. É um homem descontrolado que se revira contra tudo: a sua esposa, os seus colegas das belas artes, os revolucionários, os contra-revolucionários, o povo vítima dum período especialmente violento... A BD segue a sua trajetória num voo sem retorno, abanando entre a sua perícia coa espada e o seu talento co pincel, ancorado na militância da máxima da arte como um fim em si mesma.

Aborrecim a legendagem da ediçom espanhola, a tipografia (a da ediçom original tampouco a vejo muito melhor) e a sua composiçom, além do erro grosso das linhas sobreimpressas na vinheta terceira da página 12 (algo impróprio dumha ediçom profissional).

Nom obstante a beleza hipnótica dos cenários naturais e das ruínas, até dos sujos decorados urbanos, que Duchazeau retrata, junto co remoinho tam apaixonado como autodestrutivo do personagem principal, lográrom fascinar-me completamente e encher esse buraquinho que ficara por mor da desapariçom de Isaac.

Desejaria que Le Peintre hors-la-loi tivesse continuaçom como puro exercício de ficçom se for preciso, quer dizer até além da figura real em que leio que se baseia o argumento, Lazare Bruandet (1755-1804).

Um apontamento final: achei soberbo o trabalho de cor de Drac, comedido e acertado a partes iguais nos seus tons planos, e nom entendo como nom consta na capa do livro, umha omissom de crédito exterior imerecida tamém em bastantes outros casos que conheço da BD europeia.


A sensaçom que este título me deixou nom sei se se deve a que sobredimensionamos -por mor da sua hegemonia na cultura popular- o que acontece(u) nos EUA ou se simplesmente é que Chris Ware "fijo muito dano". Mas que se dedique, coa pulcritude gráfica e sentido da perfeita composiçom deste último, um livro extenso assim, a algo tam anedótico, para mim é totalmente excessivo. Suponho que, polo contrário, para o criador a queda dum meteorito em riba dumha senhora anónima -e o que seguiu- tem um simbolismo impressionante, que dá pé a retratar o insignificantes que somos perante a eternidade, etc. porém o álbum persoalmente nom me dixo nada e as suas repetições só me cansárom mais em cada iteraçom. Isso sim, o desenho, exquisito, a legendagem e a ediçom, perfeitas e a narraçom nom diria tanto mas bastante lograda. (Incidentalmente, nom sabia que havia clones de Ware).


História, língua e aventuras (desventuras, mais bem) dam-se a mão nesta recriaçom da trajetória dumha mulher mui especial que viviu na era da conquista espanhola do atual México. Ainda que esta obra me tinha boa pinta proximei-me dela com certa reserva porque a maioria das que leio baseadas em feitos ou personagens reais nom me acabam convencendo. Porém realmente colmou todas as expetativas positivas que pudesse ter. Fora do que alguém de autoria local puder contar do seu ponto de vista (o que se quadra poderia assimilar-se ainda mais a umha "voz em primeira persoa") nom imagino melhor resultado por parte dumha assinatura europeia. Umha das cousas que mais acertadas me resultárom foi o ritmo da história, já que a autora mantém-lhe o pulso ao relato em todo momento. Ademais a estrutura do conto em base a episódios com distintas localizações e povos funciona perfeitamente. No apartado gráfico estamos perante umha criadora totalmente madura igualmente, capaz de levar a bom porto um livro de extensom considerável, por riba das duaszentas páginas, aliás a cor, sem que a qualidade mingue em nengum momento. Um reto, em conjunto, nom ao alcance de qualquer. Além de nom cair em excessivos maniqueísmos vê-se que se trata dum título do qual quem o criou se apaixonou, onde se lhe juntam interesses seus inteletuais e afetivos. Mui bom trabalho.


Sempre me tem parecido difícil desenhar BD com um estilo "realista" (muito mais se "fotográfico") sem que o resultado se limite a aparentar um decalque e morra no estatismo do intento. O autor desta adaptaçom logra um estranho equilíbrio entre um jeito próximo disso e a fluidez que a narrativa sequencial requer: o encadeado polo qual os personagens som únicos frente aos demais, reconhecíveis entre vinhetas segundo as suas facções e constituiçom (para mais num relato como este, em que os corpos som tam presentes), a expressividade facial, junto à capacidade de síntese gráfica e o logro dum estilo global. O feito de que a técnica neste caso seja apenas lapis com cores planas (digitais?) por riba, chama-me muito a atençom. O desenho de personagens é sólido, tem muito de cânones cinematográficos e em certa maneira remite-nos a autores da velha escola como Bernet e outros. Ademais a estética à la Riviera francesa dos 50-60 está mui lograda. Em sumário, muitas cousas no desenho de Frédéric Rébéna para mim contam-se por atinos e nom comete os erros que temeria por mor do grafismo de partida.
O álbum, que argumentalmente explora o hedonismo dum tándem pai-filha a partir da novela homónima, conta a história que quer contar com um ritmo ajeitado. Como nom lim a obra primeira nom sei se no final aquela termina igual que esta BD, com umha frase-epílogo, um chocante punch line digno doutro género. Suponho que vem, como contraponto às lágrimas (de crocodilo?) precedentes, enfatizar a amoralidade de personagens aos que nom lhes falta de nada (salvo um pau polo lombo).
Editorialmente esta tendência atual pola qual se levam à nona arte tantos livros -mais ou menos conhecidos- nom sei se aporta algo substancial (além de fundo de catálogo para os grandes selos importadores como Norma ou Planeta), mas haverá que assumi-lo como parte da perene trasferência entre meios e do jogo artístico-comercial.


Nom é por desprezar injustificadamente um título trabalhado tanto em termos gráficos como de guiom mas o duplo salto mortal que o argumento tenta na sua recta final nom lhe fai nengum favor, mesmo que tenha sido planeado desde o princípio... e estampa-se contra o chão. Persoalmente preferia qualquer alternativa das que o próprio argumento sugeria que fosse menos rebuscada porque no delírio final quase se passa involuntariamente do tétrico ao cómico.
Talvez nom ajuda que os personagens me resultem todos aborrecíveis por igual mas aí nom digo nada porque narrativamente me parece totalmente legítimo.