Deitado na cama um fulano rói nos miolos enquanto a sua parelha dorme ao lado. 200 páginas. Simplificando muito.
Kevin Huizenga é capaz de algo inusual: fazer BD de qualidade que ao mesmo tempo pode por momentos resultar inaturável.
Embora ser do ano passado já hai quem vende o seu exemplar deste livro ao -33% de PVP, nom estranha porque pode pôr no límite a paciência do leitor inadvertido.
Fora disso, o autor desenha bonito (conjeturo que inspirado nos mestres fundadores dos comic strips dos EUA dum século atrás) e narra/compom -aqui nom hai distinçom- nas suas páginas permanentemente explorando e ampliando as possibilidades da linguagem da nona arte, um logro que nom está ao alcance de qualquer.
Acho que nom lia nada de Huizenga desde 2008 -já choveu: Maldiciones (La Cúpula)- e diria que desde entom tanto os seus defeitos como as suas virtudes, na sua análise do espaço-tempo/a existência/o trascendente/o macro desde o intimismo/doméstico/o micro, só se têm enfatizado.
Um caso realmente atípico.
Talvez só apto para iniciadxs (?).

Passei a primeira parte da leitura deste livro pensando que o de árabe ou não carecia por completo de interesse e só se justificava como reclamo comercial, e que o título devia ter sido sem nenhum género de dúvidas “Mon pére est un connard” (em espanhol “Mi padre es gilipollas”; de nada, Salamandra). Obviamente, a extracção étnico/linguística aludida no título tem indiscutível relevância quanto ao contexto geográfico e cultural em que o narrador se criou, mas o feito de que o progenitor me fosse resultando gradualmente mais insuportável eclipsava qualquer valoração adicional. O autor não qualifica o seu pai e limita-se a reflecti-lo na história com as suas anedotas e preferências, mas o que ao primeiro eu podia ir desculpando desde a posição de branquinho europeu bem-pensante, com o passo de páginas ia-se fazendo difícil de tolerar. Assim, a segunda metade da leitura passei-na não dando crédito à passividade e submissão da mãe de Sattouf. Mi madrinha querida, que pode levar uma mulher a aturar o carrossel de despropósitos vitais e destinos infames a que se deixa condenar por parte daquele seu marido? E não é que o diga eu, é que o retrato de miséria -de todas as perspetivas- que o autor faz dos países em que morou, e a gente com a que conviveu a sua família, deixa-os (e isto não é licença literária senão literal) à altura da merda. Quando chegas ao episódio do cachorro já dizes “tive suficiente”. Menos mal que a obra é autobiográfica porque ninguém alheio poderia ter inventado algo assim sem ver-se metido, com toda a garantia, numa boa polémica…

Eu jamais teria comprado esta BD se não fosse porque conheço algo os anteriores trabalhos do criador. Fujo como da peste de qualquer coisa que pareça o enésimo intento de fazer caixa a conta dum “Persépole”; sim, esteve bem, mas, por favor, quanto dano fez. Perdi a conta de quantos “Persépole wannabees” saíram ao mercado no nosso tempo. Tem sido tal a ‘formulação’ comercial deste género “a minha infância na Ásia antes de emigrar aos EUA” que olha, eu como leitor não posso evitar sentir que, se viveste infância num país árabe -por dizer algo-, faz-me o favor e dá-me uma boa história de ficção científica, uma comédia romântica ou o que ti quiseres, mas, mais histórias autobiográficas? Obrigado, não. (Agora mesmo posso ouvir a Satrapi berrando histericamente “¡No Irão somos persas, não árabes!”). Riad Sattouf é um autor talentosíssimo, criador de algumas das mais hilariantes BDs contemporâneas, mas o certo é que este livro, contudo ser chocante por quanto verídico, carece do ‘punch’ daquelas.

Não me arrependo de o ter apanhado, sendo como é uma obra interessante e muito bem feita, mas sinceramente, não me vejo comprando a segunda parte.