Um dos melhores usos da metalinguagem que tenha visto. Fai aparentemente fácil, da ótica da leitura, o que em realidade é bastante complicado de articular em termos criativos.
Simpático, acessível, imaginativo e aliás com mensagens para os leitores que já nom som crianças pequenas.
É curioso que descobrim a série num número de Spirou de 2019 mas só foi agora ao ler a compilaçom em forma de álbum que apreciei o trabalho na sua justa medida.
E o detalhe da página recortada já é o outro nível fora do comum.


Adorei.

Pode nom ser a obra mais completa do autor, nem tecnicamente a mais notável, mas esta coleçom de relatos autobiográficos ambientados no Japom no final da Segunda Guerra Mundial e no imediato pós-guerra tem um encanto incomparável, apesar da amargura e das desgraças que retrata. Som experiências mui intensas que Tezuka ilustra co coraçom nas mãos. Altamente recomendável.

Contudo, quem for responsável polo desenho de livros no grupo Planeta era pouco acabar na cadeia. Que atentado, Senhor, que atentado.


Obra que data de 1969-70, algo irregular mas da que gostei muitíssimo. Estruturada episodicamente como a minha favorita do autor, Black Jack, soma catorze relatos principalmente independentes que nom obstante mantêm como fio condutor a protagonista, capaz de adotar a apariência de quem quiger, e um coprotagonista que exerce de chefe dela. Um dos trabalhos de Tezuka que mais desfrutei apesar de provavelmente nom ser dos seus melhores.


Umha crua crónica de como era realmente a vida numha vilinha perdida da Espanha franquista. Esta novela gráfica é um longo e detalhado exercício de nostalgia altamente sensorial que reflexiona sobre a memória. Valoriza momentos felizes de infância e da adolescência mas longe de qualquer idealizaçom.

Contém episódios brutais que nom eclipsan a sensibilidade do narrador en primeira persoa a quem o autor dá voz. Conserva o respeito devido àquelas persoas desaparecidas que para el o merecem.

Realmente que um livro como este saia no primeiro terço do ano tem um inconveniente sério. Que se pode esperar dos títulos do resto do ano para competirem com el?

Brincadeira à parte, pola autenticidade do relato, a pulcritude do desenho, a finura exquisita nos detalhes todos da arte e do próprio livro como objeto físico (edita Autsaider)... tudo fai deste um trabalho sobresaliente que com toda certeza será elegido entre o melhor da produçom de banda desenhada espanhola em 2023.


Obra autobiográfica, notável em volume e qualidade, sobre o sexismo em ambientes de trabalho de condições extremas onde só acabam persoas economicamente necessitadas. A autora fai uso de toda a capacidade comunicativa gráfica que treinou como criadora de banda desenhada humorística para agora contar umha história inçada de momentos chocantes. Umha leitura altamente recomendada.



Tal como os patos do título, presos na poluiçom das areias betuminosas, vivem e às vezes morrem os muitos homens e as poucas mulheres nesta indústria petrolífera. Operários das minas num estado de isolamento e alienaçom proclive à afetaçom psicológica e ao assédio sexual dos primeiros em relaçom às segundas. Kate Beaton, ilustradora mui apreciada polo público, desenvolve um relato autobiográfico compassivo (nom autocompassivo) no qual humaniza (nom desculpa) até os seus agressores para acabar por pintar um quadro tridimensional e nada simplista do impacto, primeiro humano e depois ambiental, da cara menos divulgada do sistema económico em que vivemos. A obtençom de combustível é feia de todos os pontos de vista e o custo persoal nom fica atrás. Em ambos casos, falamos de consequências duradouras.



Ao igual que tantos outros leitores, conhecim o labor da talentosa Beaton atravês das suas BDs em Internet, mas ao comprar e ler o seu famoso Hark! A vagrant dez anos atrás, surpreendeu-me que me decepcionasse, ainda nom sei bem o motivo. Nom é que fosse mau, é só que nom me liguei co livro. A criadora, dotada de todos os recursos gráficos e narrativos necessários para abordar umha missom ao alcance só de grandes assinaturas, aqui deu um passo de gigante como autora. Já nom apresenta simpáticas BDs breves de humor com inúmeras referências culturais e históricas senom umha extensa novela gráfica (mais de 400 páginas) arredor do machismo tóxico no contorno laboral. Situada cronologicamente no alvorecer do Internet atual, a história fica muito mais amena que obras recentes de mestres do jornalismo em vinhetas como Joe Sacco porque, a diferença deste, o que ela conta se baseia na pura experiência íntima, direta e persoal, nom planificada, e nom tanto numha investigaçom profunda, profissional, organizada. Contudo lembrei-me bastante de Paying the land e, apesar de serem tam distintos, acho que os dous livros funcionam mui bem juntos, como experiência leitora sobre o capitalismo extrativista, que afeta e destrui nom só ao Canadá e á América do Norte senom ao mundo inteiro.

Em resumo, história esclarecedora e mui bem contada. Kate Beaton, autoraça. Esperando já o seu seguinte livro.


Surpreendeu-me que umha obra ambientada numha distopia optasse por umha certa ingenuidade, o próprio final da história vai um pouco por este caminho. Impressionou-me o esquema de partida pola sua simplicidade e enorme potencial, mas vê-se que estou mais afeito a que premisas análogas derivem em argumentos realmente truculentos. Contudo, como leitor assumo a escolha da autora nesses termos e, ainda que o estilo gráfico dela e elementos do relato nom som habituais nas minhas preferências, considero este título entre as melhores BDs editadas em 2022.


Adorei. Quer dizer, aborrecim. Do ponto de vista humano a explotaçom laboral e os maus-tratos emocionais que mulheres como as protagonistas sofrem no cenário verídico da Coreia do Sul contemporânea som terríveis. O alcoolismo, os abusos económicos e psicológicos dentro dos casais -embora temporários-, tudo isso. Com que gostei refiro-me ao bom tandem que a mãe do autor como cronista/argumentista e el como criador desta BD conseguirom. É realmente um ótimo trabalho, do melhor que levo visto no ano, um em que as evidentes limitações gráficas (um estilo como amateur, feio, que é mui comum nas novelas gráficas atuais) do assinante acabam carecendo de importância quando a história e os personagens têm tanto a dizer, sem suavizar os retratos em nengum momento, aportando sempre a expressividade ou a pausa precisa, cumprindo sobradamente coa narraçom, co ritmo da história.


Nom podo afirmar nem supor que foi a melhor BD feita em Espanha o ano passado mas gostei. Mais, de feito, que os outros dous brugueriano/vazquianos a quem dei a ler (cuja frialdade na recepçom me surpreendeu).
Onde ia que eu queria pilhar este título, desde que saiu, e casualmente só agora que lhe dérom o Prémio Nacional conseguim. Da obra em si convencérom-me menos os insertos tipo documentário em que falam expertos/as na matéria que o relato delirante em si, ainda que entendo a decisom narrativa de empregar esse recurso.
Oxalá mais cousas de Sordo deste estilo proximamente.


Desfrutei muitíssimo da leitura e lamentei que a história acabasse. Adorei o trabalho de cenários e de desenho de personagens, como transmite a expressividade coletiva (os grupos e as massas) e individual (a linguagem corporal e facial) e tamém os diálogos sem concesom.

Em paralelo Isaac o pirata, a (para sempre inacabada?) saga criada por Christophe Blain, estivo todo o tempo na minha cabeça enquanto lia este álbum. Do seu autor, Frantz Duchazeau, penso que só lera, muitos anos atrás, Os cinco narradores de Bagdag, que tinha completamente esquecido, e Meteor Slim, de que gostei. Entom nom sei se é que ambos autores, Blain e Duchazeau, bebem das mesmas referências e agora a ambientaçom setecentista de El pintor forajido me levou de volta para Isaac mas o caso é que esta história tem algo de reverso escuro daquela outra odisseia dum pintor sob a bandeira da caveira. Neste caso o protagonista é outro artista das telas, desenganado da revoluçom que terminou co Ancien Régime. É um homem descontrolado que se revira contra tudo: a sua esposa, os seus colegas das belas artes, os revolucionários, os contra-revolucionários, o povo vítima dum período especialmente violento... A BD segue a sua trajetória num voo sem retorno, abanando entre a sua perícia coa espada e o seu talento co pincel, ancorado na militância da máxima da arte como um fim em si mesma.

Aborrecim a legendagem da ediçom espanhola, a tipografia (a da ediçom original tampouco a vejo muito melhor) e a sua composiçom, além do erro grosso das linhas sobreimpressas na vinheta terceira da página 12 (algo impróprio dumha ediçom profissional).

Nom obstante a beleza hipnótica dos cenários naturais e das ruínas, até dos sujos decorados urbanos, que Duchazeau retrata, junto co remoinho tam apaixonado como autodestrutivo do personagem principal, lográrom fascinar-me completamente e encher esse buraquinho que ficara por mor da desapariçom de Isaac.

Desejaria que Le Peintre hors-la-loi tivesse continuaçom como puro exercício de ficçom se for preciso, quer dizer até além da figura real em que leio que se baseia o argumento, Lazare Bruandet (1755-1804).

Um apontamento final: achei soberbo o trabalho de cor de Drac, comedido e acertado a partes iguais nos seus tons planos, e nom entendo como nom consta na capa do livro, umha omissom de crédito exterior imerecida tamém em bastantes outros casos que conheço da BD europeia.


História, língua e aventuras (desventuras, mais bem) dam-se a mão nesta recriaçom da trajetória dumha mulher mui especial que viviu na era da conquista espanhola do atual México. Ainda que esta obra me tinha boa pinta proximei-me dela com certa reserva porque a maioria das que leio baseadas em feitos ou personagens reais nom me acabam convencendo. Porém realmente colmou todas as expetativas positivas que pudesse ter. Fora do que alguém de autoria local puder contar do seu ponto de vista (o que se quadra poderia assimilar-se ainda mais a umha "voz em primeira persoa") nom imagino melhor resultado por parte dumha assinatura europeia. Umha das cousas que mais acertadas me resultárom foi o ritmo da história, já que a autora mantém-lhe o pulso ao relato em todo momento. Ademais a estrutura do conto em base a episódios com distintas localizações e povos funciona perfeitamente. No apartado gráfico estamos perante umha criadora totalmente madura igualmente, capaz de levar a bom porto um livro de extensom considerável, por riba das duaszentas páginas, aliás a cor, sem que a qualidade mingue em nengum momento. Um reto, em conjunto, nom ao alcance de qualquer. Além de nom cair em excessivos maniqueísmos vê-se que se trata dum título do qual quem o criou se apaixonou, onde se lhe juntam interesses seus inteletuais e afetivos. Mui bom trabalho.


Kazuo Umezz (tamém latinizado Umezu) está considerado, disque, o maior autor de terror do manga. Eu só lim del os quatro primeiros volumes, de aparentemente seis que publicou Ponent Mon, de Aula a la deriva (漂流教室), que estava tam bem que era agotador de ler. Nem lembro por que nom completei a série, se quadra por isso. Hai mais títulos seus em espanhol. Esta é umha coleçom de histórias curtas em que destaca a fascinaçom do autor co horror dentro do matrimónio. Para quem nom conhecer Umezz este livro é um fantástico ponto de entrada e justifica sobradamente a fama que tem o criador octogenário.